quinta-feira, 13 de maio de 2010

COLUNA DA JUSSEMARA


À ESPERA DE ATITUDE – “A GENTE SE VÊ POR AQUI”



É estarrecedora a capacidade que alguns meios de comunicação têm em ridicularizar o sofrimento alheio. Apesar da tristeza de milhares de pessoas, que tiveram seus parentes e amigos mortos pelo desmoronamento da lama e lixo, além de suas casas destruídas, ainda há o desprezo quanto a essa tragédia.
Uma jornalista, do alto de seu posto e indignação, expõe o desafio em chegar até as áreas de risco, e o fez em honra à sublime e admirável missão de veicular as informações aos telespectadores. Relatou o estado crítico da estrada de acesso, a qual comprometeu seu carro por esse cair em um “buraco”( nas palavras da própria), e parar de funcionar, sendo, inclusive, tapado de lama por outro veículo que por ali passou. Conclui, acabados os detalhes, que essa foi a tragédia para ela, ou seja, para seu nada egoísta ser.

Uma atriz criticou os representantes políticos, por não adotarem medidas que evitassem todo o caos. Acusou-os de incitar a população a morar nestes locais impróprios. Também intencionou culpar os fumantes, ao afirmar que as pontas de cigarro são responsáveis por entupir os canais de escoamento de água. Outra atriz, da mesma emissora, expôs sua dramática incomunicabilidade, devido ao corte na emissão de energia elétrica, fato que inviabilizou seu celular sem bateria, deixando-a impaciente.
A diretora de uma novela conseguiu fazer, da gravação de um capítulo, a mais patética epopéia. Descreveu a árdua chegada ao estúdio, em meio à forte chuva e com o alarmante auxílio da polícia – cuja ajuda deveria estar voltada aos desabrigados e não a uma diretora que se dirige ao trabalho -. Tudo isso, claro, para que as cenas fossem ao ar no tempo estipulado. A heróica diretora finalizou dizendo que, em razão do sufoco e correria pelos quais passou, também sofreu a tragédia de Niterói...
O apresentador do programa, com os olhos quase fora de órbita , para realçar o poder da fala que se arquitetava, pronuncia-se com colérico fervor ante o número de mortos e desabrigados. Em seguida, questiona as atrizes referidas anteriormente, qual ritmo musical elas preferiam dançar... Seria possível sensibilizar-se com as aquelas pessoas que perderam tudo ou quase tudo e, simultaneamente, pensar em ritmos de dança? Apenas hipocrisia?
Até quando determinados meios de comunicação conseguirão subjugar a tristeza, o sofrimento e a dor de perder a família, os amigos, e tudo que milhares de pessoas construíram? Enquanto esse contingente populacional mergulha na amargura da abominável catástrofe, alguns lunáticos reduzem o mesmo acontecimento aos pequenos e insignificantes dramas pessoais, como “sobreviver” dois dias sem energia elétrica, sem bateria no celular, lutar contra a chuva que ameaça a chegada à gravadora, perceber que o carro parou de funcionar porque caiu na poça, enfim, engrandecendo as passagens, ao extremo de parecer que moravam no morro que desabou.
 As pessoas são incentivadas a morar nestes locais? Não, elas são obrigadas, não há outro lugar onde suas condições econômicas permitam habitar. E ainda precisam tolerar as constantes acusações de ignorância e teimosia, por permanecerem em habitações condenadas pelo risco iminente. No entanto, não há um terreno seguro que possam comprar, então vão continuar morando neste morro ou em qualquer outra periferia. Aliás, é presumível que, no arriscado morro, não se encontre qualquer alguém com boas condições econômicas.
O detestável hábito de livrar-se da responsabilidade, empurrando-a para os governantes, assinala, novamente, o descaso de tantos brasileiros com seus conterrâneos, esperando que as atitudes e soluções venham de cima. Como havia um lixão enterrado, por cúmulo, justamente no morro? Lixo que foi produzido por toda a cidade – e não apenas pelos fumantes – a qual quis livrar-se dos próprios resíduos em um local distante do belo centro, apesar de haver moradores no mesmo endereço destinado ao lixão.
Na são as atitudes de um governante que modificarão a situação das famílias que residem em áreas inóspitas. Imprescindível, é que a toda a sociedade tenha consciência e responsabilidade, não obstante, enquanto o interesse capitalista se sobrepor à dignidade de vida e à preocupação com o outro, não haverá mudança. A falta será sempre do governante, que produziu sozinho todo o lixo da cidade, que enviou as pessoas para povoarem o morro de solo instável... E alguns veículos de comunicação e alienação farão, também, somente o seu lamento ridículo, esperando uma atitude e declamando ao final: “A gente se vê por aqui!”.

JUSSEMARA SOUZA DA SILVA
RDC WEB BRASIL
PORTO ALEGRE

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